Por: Prof. Pedro Soares
O livro de José Augusto Ribas Miranda tem por objeto, segundo informa o próprio autor, a atuação diplomática de Varnhagen enquanto foi ministro residente do Império do Brasil nas Repúblicas do Pacífico (Peru, Equador e Chile) entre 1863 e 1867. De imediato, assim, o trabalho mostra-se relevante na medida em que a atuação diplomática do Visconde de Porto Seguro foi pouco explorada pela historiografia contemporânea, normalmente focada em seus extensos e importantes trabalhos historiográficos. O que Ribas Miranda nos mostra em seu livro é que não podemos dividir Varnhagen em caixas e categorias. Se seu trabalho como Historiador abriu-lhe as portas para a diplomacia, o trabalho diplomático permitiu-lhe aprofundar os estudos históricos. Historiador-Diplomata, eis Varnhagen.
O livro de Ribas Miranda é dividido em quatro capítulos, os dois primeiros devotados à apresentação de ideias e valores de Varnhagen e os dois seguintes à sua atuação diplomática nas Repúblicas do Pacífico.
No primeiro capítulo, Ribas Miranda, considerando a relevância do estudo e da pesquisa históricos para Porto Seguro, inicia por estabelecer quais eram os princípios que norteavam a historiografia de nosso grande historiador pátrio. Indica que três eram esses princípios: a verdade, a justiça e a imparcialidade. Tais valores coadunavam-se perfeitamente com as reflexões teóricas daquele momento em que a História se afirmava como ciência acadêmica aqui e na Europa. O autor de “Um monarquista nas Repúblicas”, contudo, vai além. Não só mostra essa conexão de Varnhagen com a historiografia da época, como demonstra como esses princípios se vincularam com sua vida de diplomata, por mais que a ideia de ‘imparcialidade’ possa parecer estranha à natureza intrínseca da atividade diplomática.
Na sequência, o autor mostra-nos a forte convicção monarquista de Porto Seguro, elemento fundamental para explicar sua perspectiva sobre as República onde atuou e sua vida na diplomacia imperial. Varnhagen acreditava fortemente que o regime político brasileiro era superior aos de seus vizinhos e o motivo pelo qual o Brasil era mais estável e possuía uma civilização mais avançada. Não somente isso, mas Ribas Miranda também demonstra como a política euro-orientada do Brasil à época muito devia à própria existência da monarquia no país, levando o Império, por vezes, a formar laços mais estreitos com monarquias na Europa que com seus vizinhos republicanos – um movimento que foi alterado muito lentamente ao longo do século XIX.
Indicados os princípios de Porto Seguro, Ribas Miranda se dedica mais propriamente à sua ação diplomática nas Repúblicas do Pacífico. Trabalha separadamente os dois eventos mais importantes com que lidou Varnhagen: o Congresso de Lima de 1864-1865 e a crise das Ilhas Chincha, que envolveu Peru, Chile, Bolívia e Equador versus Espanha entre 1864-1866.
No capítulo 3, o autor nos informa da forte oposição de Varnhagen à participação brasileira no Congresso de Lima convocado pelo Peru, posição que então foi adotada pelo ministério imperial. Sua resistência se dava principalmente porque existia a possibilidade de serem discutidas questões fronteiriças e como o Brasil possuía muitas querelas em aberto, ficaria em desvantagem. Apesar da recusa em participar, a maneira como se portou o diplomata brasileiro não acarretou em fragilização das relações com o anfitrião (Peru), nem com os demais participantes.
No último capítulo, por fim, Ribas Miranda se debruça mais detalhadamente sobre a crise diplomática iniciada pela Espanha ao invadir as ilhas Chincha, consideradas peruanas. A situação, que desembocou em guerra aberta, foi bastante delicada para Varnhagen e para o Brasil. A neutralidade estrita adotada pelo Império era melindrosa: de um lado estava a Espanha cuja Rainha era ligada dinasticamente à casa imperial; do outro, estava a América hispânica unida na condenação à agressão de Espanha. O Brasil não queria alienar nenhum dos dois lados num momento que lutava contra o Paraguai e o responsável por essa tarefa, no lado americano, foi Porto Seguro. Obteve sucesso em não atrair a reprovação de muitos dos vizinhos. A única exceção foi o Peru que, entre 1867 e 1869, teve relações cortada com o Império, tanto por conta de questões anteriores quanto da postura brasileira em face da crise mencionada.
O livro de José Augusto de Ribas Miranda, assim, tem o mérito de tratar de um objeto pouco explorado na historiografia nacional; de aumentar a complexidade da figura de Varnhagen; de criar os nexos entre o historiador e o diplomata; e, por fim, de auxiliar na compreensão do lento movimento de alteração dos eixos diplomáticos do Brasil em direção à América.
Feitas as considerações mais gerais, algumas críticas são cabíveis. Para além de aspectos formais (em certos momentos repetição de palavras e uso de vocábulos inadequados – vide “implicância” na p. 75, p.ex.), acredito que o autor poderia ter desenvolvido mais detalhadamente a atuação de Varnhagen no último capítulo. A atuação de Porto Seguro fica diminuta frente ao amplo espaço dado à crise das Ilhas Chincha. De fato, o capítulo parece mais tratar da crise em si do que de Varnhagen, que se torna quase acessório à narrativa geral da seção. Também me parece que uma expansão acerca das questões teóricas sobre prestígio nas relações internacionais seria de bom tom.
De toda sorte, para os interessados na vida de Porto Seguro e na diplomacia da conturbada década de 1860, “Um monarquista nas Repúblicas” é uma boa indicação.
Sobre o autor do artigo
Pedro H. Soares Santos é graduado e mestre em História pela Univerdade de Brasília. Atualmente está cursando seu doutorado em História política do Brasil na mesma instituição. É professor da Secretaria de Educação do Distrito Federal desde 2014 e ministra cursos de História Mundial e História do Brasil para o Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata desde 2017. Pesquisa História das relações internacionais entre o Brasil e a Santa Sé entre o fim do século XIX e o início do século XX.
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Sobre o livro
Este livro trata sobre a trajetória diplomática de Varnhagen. Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878) o historiador que escreveu o império também ajudou a desenhar as fronteiras e a política externa do Brasil, foi diplomata de carreira e atuou em temas chaves da política externa brasileira em meados do século XIX. Em um Império rodeado de Repúblicas, sua representação diplomática se deu entre dilemas de Monarquia e República, Verdade e Imparcialidade, História e Diplomacia. Inserido em uma política externa amplamente euro-orientada, foi inconscientemente um dos precursores da americanização das relações do Brasil, atuando junto as repúblicas do Peru, Chile e Equador entre 1863 e 1867.
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