Listamos informações menos conhecidas dos leitores da garota mais contestadora dos quadrinhos latino-americanos.
Na manhã da última quarta-feira (30), as discussões acaloradas nas redes sociais deram lugar à ternura e às lembranças sobre uma certa menininha argentina de seis anos de idade: a Mafalda. A comoção, que aumentou ao longo do dia, foi por causa do cartunista Joaquín Salvador Lavado, o mundialmente conhecido Quino.
Ele tinha 88 anos e sofria as consequências de um acidente vascular cerebral recente e o estado de saúde piorou. A morte de Quino foi anunciada pelo editor dele, Daniel Divinsky, no Twitter. Ele escreveu: “Quino morreu. Todas as pessoas boas do país e do mundo ficarão de luto”. E o sentimento de perda foi muito além das fronteiras portenhas.
Grandes cartunistas mundo afora homenagearam Quino. Aqui no Brasil, Laerte Coutinho, Adão Iturrusgarai, André Dahmer e Carlos Latuff foram alguns que postaram homenagens. A Anistia Internacional, a Unesco e a Real Academia Espanhola também manifestaram pesar pela perda do cartunista.
· 6 coisas surpreendentes sobre a personagem e o cartunista argentino
Por: A BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC)
1. Mafalda foi criada para vender eletrodomésticos
A garota que tanto refletiu sobre o capitalismo, a economia e a ordem mundial é fruto dessa mesma sociedade de consumo.
Logo após a publicação do livro Mundo Quino em 1963, seu primeiro livro de humor gráfico, Joaquín Lavado foi chamado para desenhar uma família de personagens para divulgar os eletrodomésticos Mansfield, da empresa Siam Di Tella, em uma tira de jornal. Todos com nomes começando com M.
A menina chamava-se Mafalda, em homenagem a uma das personagens do romance Dar La Cara, de David Viñas. A ideia era criar uma história sobre uma família que usava os produtos da marca a fim de oferecê-la gratuitamente para jornais e revistas.
Mas a campanha publicitária nunca viu a luz do dia, e Quino deixou seu bebê guardado na gaveta. Alguns meses depois, no entanto, quando Quino foi convidado a publicar uma tirinha no Primera Plana. Mafalda finalmente chegou ao jornal em papel, dando início a sua “carreira”.
2. Mafalda vive no bairro de San Telmo
Pouco se sabia sobre a casa da família de Mafalda, além do fato de ela viver com o irmão mais novo Guille e seus pais no apartamento E, num edifício onde também vivia o seu amigo Felipe.
Mas nem todo mundo fora de Buenos Aires sabe que esse prédio existia, e ainda existe, no bairro de San Telmo, na rua Chile 371, muito perto da casa de Quino.
“Mafalda viveu aqui”, diz uma placa em homenagem ao edifício.
Quino também se inspirou na padaria do pai de um amigo para desenhar o armazém de Don Manolo.
Hoje, na esquina das ruas Chile e Defensa, uma escultura em tamanho natural da Mafalda aguarda a chegada de turistas sentada em um banco. A obra se tornou uma das principais atrações turísticas da cidade.
3. Um livro “para adultos”
– Vou te explicar: os milibares são uma medida de pressão. Dependendo da atmosfera, pode se dizer que há uma pressão de tantos mili….
– Desculpa, papai, eu te perguntei sobre os milibares, e não sobre os militares — responde Mafalda.
A sempre crítica Mafalda nunca desceu bem para alguns setores.
Na Espanha, a censura da ditadura franquista (1936-75) obrigou editores a colocarem um aviso na capa do primeiro livro de Mafalda no qual dizia que era uma obra “para adultos”.
Mafalda também teve problemas com a censura em outros países, a exemplo de Brasil, Chile e Bolívia.
“Simplesmente eu a tive desde o início”, diz Quino sobre a censura a seus primeiros trabalhos como humorista gráfico.
“Eles me disseram: ‘Rapaz, piadas contra a família não, militares não, nudez não. Eu nasci com autocensura.”
4. Felipe realmente existiu e vivia em Cuba
O melhor amigo de Mafalda, Felipe, ama fantasias, assumir a identidade do Cavaleiro Solitário e adiar ao máximo o dever de casa.
Mas talvez o que mais defina Felipe sejam características físicas: dentes de coelho, rosto comprido e cabelos desgrenhados.
Essas feições são as mesmas do jornalista argentino Jorge Timossi, que trabalhava para a agência cubana Prensa Latina e era amigo de Quino.
“Quando eu estava na Argélia, o primeiro caderninho de Mafalda caiu sobre mim”, disse Timossi ao jornal Perú21 em uma entrevista antes de morrer em 2011.
“Eu o vi e pensei. Isso aqui me parece familiar. Pouco depois, no Chile, consegui o endereço dele e enviei-lhe um cartão no qual coloco: Quino, confessa, filho da p… E por correio recebi de resposta um pôster com o Felipito que dizia: “Justo eu tenho que ser como eu sou.”
5. Mafalda até na sopa
A personagem de Quino está por todas as partes. E não apenas nos livros traduzidos para mais de 30 idiomas, entre inglês, italiano, francês, hebraico, alemão, guarani e coreano.
No bairro Colegiales, em Buenos Aires, há uma praça Mafalda. Em San Telmo, como dito acima, está a escultura da garota feita pelo artista Pablo Irrgang.
Na estação de metrô de Peru, na capital argentina, há um mural “O Mundo segundo Mafalda”. Milhares de quilômetros dali, em outra estação de metrô, a Argentina, em Paris, Mafalda observa atentamente um mural de personalidades da ciência, da política e das artes argentinas, como Jorge Luis Borges.
6. Quino rejeitava a fama
Apesar do sucesso enorme que teve com a personagem, Quino resistiu à fama. Durante anos ele pendurou uma placa em seu escritório que dizia: “Por motivos de timidez, não se aceita reportagem de qualquer tipo.”
“Optei pelo desenho porque falar é difícil para mim”, admitiu em uma entrevista.
Em outra, disse que havia decidido que sua protagonista deveria ser mulher por causa da influência do movimento de emancipação feminina dos anos 1960 e porque “as mulheres são mais espertas”. Ao longo de quase uma década, Quino publicou um total de 1.928 tiras estreladas por Mafalda.
Seus desenhos populares sobre a garota com ideias progressistas também foram compilados em livros, e estes tiveram sucesso equivalente.
Em 25 de junho de 1973, Quino decidiu que já era o suficiente e publicou sua última história sobre Mafalda, seus pais, seu irmão mais novo Guille e seus amigos próximos Felipe, Susanita, Miguelito e Manolito, entre outros.
Anos depois, ele diria que fazer uma tira com personagens “é uma escravidão muito grande” e se retratava vestido de prisioneiro com desenhos em vez de listras.
Fontes: BCC BRASIL – EBC