A liberdade no Brasil, em toda a sua complexa e ampla definição, é hoje um assunto dentre os mais debatidos. E há inúmeras razões que concorrem para explicar este fenômeno. Não obstante, é interessante notar que talvez parte disso seja fruto das gritantes contradições que marcaram a nossa redemocratização. Em Erotismo sob Censura: Censura e televisão na revista Veja, Luciana R. F. Klanovicz explora esta relação.
Entre 1985 e 1989, a censura foi mantida sem a necessidade dos aparelhos estatais repressores que a haviam caracterizado anteriormente. A época é tão eufórica, quanto conturbada. Nestes anos, o país viu seu último governante militar, a morte de Tancredo Neves e a posse de José Sarney. É uma época em que se estabeleceu a constituição atual e onde fomos do plano cruzado I para o II.
Inflação e desemprego também marcavam o cenário brasileiro oitentista. É neste momento que as novas formas de censura serviram de ferramenta aos setores que procuravam controlar discursos redemocratizados. Neste caso particular, dentro do aspecto da vida privada e no tocante ao controle do erotismo dos corpos de homens e mulheres.
Uma redemocratização cautelosa
Com este pano de fundo, a autora inicia importante debate sobre os ideais de liberdade e democracia no Brasil pós-ditadura. Pois as novas experiências lidavam com o erotismo, inclinação vista como negativa por uma parcela da sociedade. O movimento de censura foi então colocado em prática, sobretudo, pelos mecanismos de imprensa.
As páginas da revista Veja são exemplo disto. Contudo, não foi apenas o discurso impresso que se empenhou neste sentido. O mesmo também ocorria no meio jornalístico televisivo. Afora isso, havia o movimento de censura horizontal que surgia na própria sociedade civil. Para comprovar este quadro, foram privilegiadas as cartas de leitores.
Assim como abaixo-assinados e artigos da publicação que manifestavam o desejo de controle dos corpos. Na obra é analisada esta que foi a revista de maior circulação no país durante a década de 80. Em Erotismo sob Censura: Censura e televisão na revista Veja, Klanovicz distingue ainda as censuras vertical e horizontal. Ou seja, aquelas de ordem institucional, em contraste à outras de origem popular.
A obra – Erotismo sob Censura: Censura e televisão na revista Veja
No livro, expõe-se como a onda de reprovação e controle apresentava viés moral, buscando atualizar traços de um passado idealizado. Desta forma, investia-se numa fantasia de recato feminino, heterossexualidade normativa e fronteiras de gênero bem delimitadas pelos corpos. Ainda que precisemos ressaltar que não era o aspecto de objetificar que incomodava no erotismo. O potencial de ofender à pretensa moral familiar era o verdadeiro crime perpetrado.
Com isto, foi corroborada a defesa do que Klanovicz denomina “redemocratização cautelosa”. E em poucos lugares, o fenômeno esteve tão evidente quanto nas páginas da revista Veja. Portanto, o leitor irá visitar o Brasil de ontem a partir da cultura de mídia dentro da perspectiva de gênero. A obra se torna, assim, de grande validade para quem busca entender o Brasil da Redemocratização em suas inúmeras contradições.
A autora – Luciana R. F. Klanovicz
Luciana R. F. Klanovicz é doutora em história pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui, além disto, pós-doutorado pela Freie Universität, de Berlim. Atualmente, é Professora do curso de História da Unicentro/PR, onde atua também no programa de pós-graduação em Desenvolvimento Comunitário.
Ademais, ela é coordenadora do Centro Interdisciplinar de Estudos de Gênero. Seu foco atual engloba as questões de gênero & ciência e corpo, gênero & história ambiental. Erotismo sob Censura: Censura e televisão na revista Veja é fruto de sua pesquisa de tese de doutorado. O trabalho foi defendido originalmente na UFSC, em 2008.