Por: Alessandro Barreta Garcia
A resenha crítica intitulada pelos autores Narayana Astra van Amstel e Leonardo Girardi Rodriguez como “As Virtudes do Esporte na Escola – uma apologia da técnica na Educação Física” é na realidade uma resenha do primeiro artigo do livro: “As Virtudes do Esporte na Escola”. No referido artigo, “As virtudes da técnica na educação física”, que como bem revelam os autores, se oferece uma visão destoante, mas não polêmica sobre a técnica pelo fato de apenas conter informações precisas que por vezes podem ser entendidas como arrogantes. Dito isso, quero expressar meu agradecimento pela resenha crítica e respeitosa dos autores que engrandecem o debate acadêmico.
De início os autores fazem uma interpretação equivocada a respeito do entendimento que o capítulo do livro apresenta: “Aqui, Garcia apresenta o conceito de técnica como algo limitado ao ensino na fase inicial de movimentos básicos, negligenciando toda e qualquer variação em seu modelo. As adaptações e inovações podem vir a ocorrer, porém somente após o domínio das técnicas fundamentais” (van Amstel e Rodriguez, 2020, p. 8). Em nenhum momento advogo tal pressuposto e muito menos recuso variações técnicas exceto no momento do ensino quando há um modelo a ser alcançado. Ainda no artigo são ressaltadas citações que se remetem exatamente ao oposto, ou seja, às variações da técnica: “Na Educação Física brasileira foi utilizada de forma mais intensa durante os anos de Regime Militar (1964-1985), também conhecido como período tecnicista. Nessa época, a grande valorização do movimento técnico se compunha como variações técnicas cercadas de valores morais e racionais (Manifesto Mundial de Educação Física, 1971; Garcia, 2015)” (Garcia, 2016, p. 11) ou na interpretação do texto de Marcel Mauss:“Segundo as observações do sociólogo Marcel Mauss, as técnicas corporais foram possíveis na medida em que inúmeras civilizações construíram técnicas primitivas e destas foram aperfeiçoando de maneira diferenciada, assim, com tropas marchando de maneira diferente, nadando de maneira diferente, ou seja, possuindo técnicas diferentes de sociedade para sociedade os homens puderam se desenvolver cada vez mais (Mauss, 1974)” (Garcia, 2016, p. 26). Logo, as técnicas passam de uma geração para outra e tornam-se tradição, todavia isso não significa que não existam mudanças. Até porque as modificações podem ocorrer em qualquer fase como pressupõe a citação usada no capítulo: “As técnicas são os “instrumentos” – infinitamente variados e em continua evolução – a utilizar em função de claras intenções educativas e de dados particulares (estados dos indivíduos, condições materiais etc.). (p. 12)” (Garcia, 2016, p. 28). À vista disso, creio que as dúvidas trazidas por Narayana Astra van Amstel e Leonardo Girardi Rodriguez se encerrem quanto a essa questão.
A seguir os autores da resenha comentam a minha fala: “Nessa perspectiva, o autor apresenta a noção de imutabilidade da técnica: por se tratar de uma base, um modelo para o processo de aprendizagem, precisaria ser imutável. Caso seja variável, não haveria uma avaliação adequada; nas palavras do autor, como avaliar algo que hoje é uma coisa e amanhã é outra? (GARCIA, 2016, p. 22)” (van Amstel e Rodriguez, 2020, p. 8). Os autores mencionam a seguinte passagem do texto: “Aqui, cabe uma explicação de extrema importância, ao contrário do que grande parte dos críticos professa sobre a imutabilidade da técnica, ela é sim imutável, claro, como modelo ou base para o aprendizado, mas ela é modificada e aperfeiçoada na história. O que não pode ocorrer é uma mudança na técnica durante o processo de aprendizado, pois mudanças frequentes dificultam ou impedem o aprendizado, confundem e eliminam a possibilidade de avaliação” (Garcia, 2016, p. 22). Nesse contexto, refiro-me ao aprendizado de uma técnica a ser avaliada pelo professor, ou seja, se um professor ensina com base em um referencial do tipo “cotovelo acima da linha do ombro” em um arremesso do handebol, significa que ele vai cobrar isso conforme seu ensino, o que não constitui como é dito no livro que ela não possa mudar como se constata a seguir: “Dessa forma, há uma imutabilidade e uma mutabilidade na técnica. Ela deve evoluir. Cada momento histórico é que vai determinar como ela vai se configurar. Assim, uma tradição se transforma em outra e assim sucessivamente.” (Garcia, 2016, p. 23).
Na página 8, os autores da crítica levantam a seguinte questão: “No entanto, seu texto não é claro em apontar quais seriam os conteúdos técnicos considerados basilares no processo educacional. Em determinados trechos, ele diz que seriam os movimentos básicos executados de acordo com a tradição, sendo reconhecidas por sua utilidade e importância as formas mais eficientes de correr, saltar, lançar, segurar, etc.” (van Amstel e Rodriguez, 2020, p. 8). Realmente o interesse do presente capítulo não foi abarcar os conteúdos, até porque estes não constituíam o objetivo do capítulo. Contudo, consideramos as habilidades citadas base para diferentes esportes, estes que são exemplificados na continuidade do livro em função dos capítulos sobre: judô, rugby e atletismo.
Na página 9, obtemos a seguinte questão: “Aqui decorreria um problema: o que justificaria o conteúdo das técnicas esportivas como mais relevantes do que outras técnicas dentro da cultura corporal? Por exemplo, o que categorizaria as técnicas corporais de Ginástica, Dança, Lutas, Jogos e Brincadeiras como inferiores às técnicas dos Esportes na Educação Física escolar? Se essa é a intenção do autor, falta-lhe uma base argumentativa no texto em questão que arregimente essa proposta.” (van Amstel e Rodriguez, 2020, p. 9). Ora, a resposta é nada, já que sob o ponto de vista da ginástica, dança, lutas e jogos estes conteúdos são esportivos e técnicos. Em relação à cultura corporal como se demonstra no referente capítulo “As virtudes da técnica na educação física”, ela caminha no sentido contrário à técnica como referencial de aprendizado aos moldes tradicionais. Ademais não foi definido no capítulo que tipo de técnica esportiva se considerou, mas sim a técnica que, independentemente do seu nível, deve fazer parte da aula de Educação Física seja no contexto do lazer ou da educação, pois o domínio mínimo do “como fazer” é fundamental para a prática em qualquer situação, pois a sensação do controle corporal e esportivo é primordial para a efetiva prática da atividade física e esportiva. O alto rendimento, no caso, nem foi cogitado, pois se trata de outra dimensão do esporte a ser debatido em momento oportuno, tendo em vista que consideramos não se relacionar diretamente às aulas da Educação Física na escola.
Acredito que a grande mensagem geral do capítulo é afirmar que não existe ensino de Educação Física sem técnica. Ao que parece, os autores em parte entenderam essa premissa: “Garcia afirma também que não existe Educação Física sem o ensino de técnicas. Somos obrigados a concordar em parte com tal colocação, dada a natureza dos conteúdos trabalhados na área; no entanto, nada justifica que as técnicas possuam caráter central na prática pedagógica.” (van Amstel e Rodriguez, 2020, p. 10). No sentido da centralidade ou não é opção de cada professor, mas o importante é que a técnica exista na aula. Quanto aos outros aspectos da aula, estamos de acordo e mais uma vez é o professor que conduz a aula que vai definir tais aspectos, uma coisa não invalida a outra. De resto, não defendo a predominância da técnica, mas apenas sua existência.
Os autores percebem a interpretação contra os críticos de base marxista como seletiva porque não coloco autores como Nahas e Guedes e Guedes como marxistas apesar dos referidos autores também criticarem o tecnicismo da Educação Física dos anos de Regime Militar (1964-1985). A resposta é bem pontual e já oferecida pelos próprios autores da resenha, estes autores, Nahas e Guedes e Guedes, apesar de reproduzirem críticas contra o desportivismo, fazem isso por razões que ainda precisam ser analisadas. De qualquer forma, sabe-se que estes autores não possuem uma base teórica crítica marxista e sim biológica.
Além disso, quando os autores questionam: É central em Nahas (1992) a defesa de uma Educação Física que melhore as condições de Saúde e Qualidade de Vida dos alunos, em franco combate ao sedentarismo; nesse sentido, Nahas tece críticas ao modelo esportivizado, por não atender um desenvolvimento corporal integral e sadio, bem como a existência de processos de exclusão de alunos das aulas quando não se adequavam as exigências do conteúdo esportivo. Essa visão pedagógica pode de alguma forma ser associada ao marxismo nas escolas? (van Amstel e Rodriguez, 2020, p. 11). A resposta é “sim”, como já mencionei acima, sem perceber porque apenas reproduzem tal estigma sem maior aprofundamento teórico.
Por fim, a pergunta do capítulo “As virtudes da técnica na educação física” foi: qual a necessidade da utilização da técnica nas aulas de Educação Física? Numa reflexão posterior fomentada pela respectiva resenha, acredito ter respondido à questão de forma satisfatória. Quanto à necessidade da técnica, acredito que ela precise estar no processo de ensino e aprendizagem durante os anos de escolarização da educação básica em que a Educação Física figura como componente importante de desenvolvimento social, motor e cognitivo, porém, sobre o nível de centralidade no contexto das aulas essa decisão é de competência do docente em seu respectivo planejamento. Além do mais, os autores concluem que as técnicas são múltiplas e variadas e acreditam que isso se difere de minhas conclusões das quais são precisamente as mesmas.
Reitero aqui meu agradecimento pela elegância e respeito na escrita da resenha crítica de um dos capítulos do livro organizado pela minha pessoa, em um processo de construção profissional e de colaboração à Educação Física brasileira.
Referências
GARCIA, A. B. As virtudes da técnica na educação física. In: GARCIA, A. B. (Org.). As Virtudes do Esporte na Escola. 1ed. Jundiaí-SP: Paco Editorial, 2016, v. 21, p. 11-31.
VAN AMSTEL, N. A, Rodriguez, L. G. Uma apologia da técnica na Educação Física – resenha do livro “As virtudes do esporte na escola”. ARQUIVOS em MOVIMENTO, v.16, n.2, p. 5-12, Jul-dez- jun 2020.
Sobre o autor do capítulo
Alessandro Barreta Garcia: Doutorando em Educação Física pela Universidade São Judas Tadeu, SP, Brasil, e autor dos livros: Educação Grega e Jogos Olímpicos: Período Clássico, Helenístico e Romano, Educação Física e Regime Militar: Uma Guerra Contra o Marxismo Cultural e As Virtudes do Esporte na Escola, todos pela Paco Editorial.
Sobre o livro
Esta coletânea de ensaios é fundamental na medida em que a Educação Física brasileira se encontra em uma repetida crise de identidade. Velhos temas são frequentemente discutidos, mas nenhuma proposta é persuasiva o bastante para fazer parte de um novo olhar sobre a Educação Física na escola. É com este espírito que a presente coleção apresenta-se como um contraponto.
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