Uma vida permeada por transformações políticas, sociais e culturais, que se tornaram traços modernos, apostando na caricatura e nas artes gráficas. Nascido no Império (1874) e chegando até a segunda estada de Getúlio Vargas no poder (1953), Raul Pederneiras foi um icônico artista brasileiro que trouxe novos conceitos à modernidade, em desalinho com antecessores e contemporâneos. É através dessa figura, com características tão marcantes no país, que surge a obra Modernidade em Desalinho – Costumes, Cotidiano e Linguagens na Obra Humorística de Raul Pederneiras (1989 – 1936), do autor paulista Rogério Souza Silva, atual professor na Universidade do Estado da Bahia (Uneb).
O que se pode encontrar na obra é um pouco de uma das grandes figuras que o país produziu ao longo do último século, com destaque para o gênero em quadrinhos que, apenas nas últimas décadas, ganhou a devida repercussão. Analisando a obra de Pederneiras durante um recorte temporal específico (1898 a 1936), Rogério Souza Silva aponta a qualidade e a genialidade de um traço, como o título da obra traduz, desalinhado com questões modernas em voga na época. Não obstante, o artista carioca, consagrado em diversos periódicos, como o Jornal do Brasil, virou referência a inúmeros chargistas pela sua potencial capacidade de desmontar pressupostos, até então intocáveis, em segmentos da classe artística nacional.
Em referência a Angelo Agostini, seu antecessor nas artes gráficas – de quadrinhos a charges –, assim como aqueles que trabalharam junto a Pederneiras, citando Calixto Cordeiro e José Carlos de Brito e Cunha, esse desalinhamento é perceptível nas formas e traços amplamente explorados pelo autor nas densas e impactantes 592 páginas, especiais para os graduados e pós-graduados em História, mas que servem de referência para qualquer amante da trajetória artística nacional.
Com um valor tanto documental quanto teórico, a obra é dividida em quatro capítulos, cada um com suas nuances: desde uma análise quase que biográfica da trajetória artística de Pederneiras em meio à confusão que a arte moderna trouxe ao país; passando pela sua habilidade e múltiplas faces no desenvolvimento das suas obras – que contavam com peças de teatro e poesias com linguagem própria e singular, além de telas em aquarela –; chegando até o que Pederneiras trazia em suas charges alinhadas à política que, na época, como a história bem nos traz, vivia turbulências e mudanças de poder.
Uma obra com um primor ímpar, recomendada para quem busca conhecer como apenas um artista desalinhou todo o conceito moderno, principalmente nas artes gráficas. E isso, com a experiência de um autor capacitado a falar sobre o período: Rogério publicou, em 2001, um livro denominado Antônio Conselheiro: a fronteira entre a civilização e a barbárie, além de desenvolver, atualmente, a pesquisa Nada cordiais: as revistas O Malho e Careta na crise política de 1930. Trata-se de um recorte temporal que vale cada página, já sendo um cânone iconográfico brasileiro.