Os bons livros são aqueles que fazem o retrato de uma realidade histórica e social ao mesmo tempo em que são capazes de envolver quem está do outro lado da página. Um diálogo intimista entre autor e leitor se estabelece dessa forma, em que o autor tem algo a dizer e o leitor tem algo para dar significado. O mesmo livro é diferente para pessoas diferentes, porque cada um tem o seu próprio repertório e, a partir daí, a interpretação pode mudar.
O livro Mercado Central é um exemplo de obra que tem um significado para todos que se dedicarem à sua leitura. Nele, o historiador Vitor Leandro de Souza traça um panorama do Rio de Janeiro nas duas primeiras décadas da República. O recorte é ainda mais específico, com foco na municipalidade e no mercado.
A ascensão de um novo modelo político traz uma transformação profunda para a sociedade. Afinal, a forma de governar muda o dia a dia das pessoas, mesmo que elas não se deem conta disso. Em Mercado Central, Vitor Leandro pinta um cenário cheio de sonhos e ambições, no qual emerge um mercado novo à beira-mar.
O comércio é movimentado pelas pessoas que vão e vêm o tempo todo nas ruas. Assim, uma peixaria ou um armazém não são apenas isso, mas sim, o palco de trabalhadores brasileiros de todas as classes, raças, cores e credos, que se cruzam entre si e compartilham as suas diferenças. A obra é praticamente uma pintura que retrata a miscigenação brasileira, aquilo que faz o nosso país ser único e especial.
E o leitor que se entrega a esse livro terá o prazer de conhecer as histórias que dão vida a toda essa movimentação; os personagens que colorem a transformação urbana, fazendo com que ela seja mais do que um caos sobre o concreto. A obra mostra a forma como o ser humano é transformado pelas mudanças que ocorrem no ambiente ao seu entorno.
Muitas vezes, obras históricas se limitam a tratar a sociedade como uma massa amorfa ao falarem das mudanças históricas e políticas que ela atravessa. Pense nos anos de escola em que você estudou história: provavelmente, cada grande acontecimento sempre foi estudado a partir de uma ótica impessoal e objetiva demais, não é mesmo?
Pois é aí que se difere a obra desse jovem – porém grandioso – historiador: a capacidade de retomar registros históricos com precisão técnica, mas somando a isso uma boa dose de subjetividade que representa a forma como as pessoas que vivenciaram esses processos reagiram a eles. Afinal, é disso que a história é feita: de gente com carne e osso, medos e aflições, sonhos e ambições.