A Lei Áurea (Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888) era um diploma legal materialmente inconstitucional promulgado pela Regente do Brasil, a Princesa Isabel. Essa era a opinião de muitos membros da aristocracia brasileira, que perderam fortunas e todo o seu crédito representado pelos 700 mil escravos que ainda existiam em 13 de maio daquele ano.
Em 1888, o sistema escravista estava apodrecendo e se desintegrando de forma evidente desde o ano anterior. As fugas em massa eram a prova de que o colapso estava próximo: existia um clima de verdadeira desobediência civil, pois as Sociedades Abolicionistas agiam não apenas para obter cartas de liberdade, mas auxiliando a fuga de escravos para províncias em que a abolição já houvesse ocorrido (como no Ceará). Nos redutos escravistas, muitos quilombos estavam se formando. Com o sistema ruindo, não havia meios de coerção para aprisionar os escravos nas propriedades.
A legislação em vigor se mostrou incapaz de solucionar o problema. A Lei do Ventre Livre tentou realizar uma composição entre ideias emancipatórias e o respeito absoluto ao direito de propriedade, previsto na Constituição de 1824. A Lei dos Sexagenários, ou Lei Saraiva- Cotegipe, de 1885, se apresentou como um retrocesso.
Diante disso, em 3 de maio de 1888, a Regente D. Isabel, em sua Fala do Trono, levou ao parlamento brasileiro a questão da abolição, que representava uma “aspiração aclamada por todas as classes”. A ida da Princesa Regente até o parlamento foi cercada de festa popular.
Em 8 de maio de 1888, foi apresentada a seguinte proposta legislativa na Câmara:
Art. 1º – É declarada extinta a escravidão no Brasil.
Art. 2º- Revogam-se as disposições em contrário.
O projeto passou a ser o foco dos debates no parlamento, que estava situado na mais pulsante cidade brasileira: o Rio de Janeiro. A população, agitada pela imprensa, participava ativamente das sessões e, do lado de fora do prédio, ruidosamente se manifestava com as notícias do que ocorria no recinto, aplaudindo ou vaiando os deputados que se pronunciavam contra o projeto.
Por interferência de Joaquim Nabuco, os trabalhos foram acelerados. O deputado baiano Araújo Góes apresentou importante emenda acrescentando ao art. 1º a expressão “desde a data da lei”. A provada, a Lei Áurea passou a ter vigência imediata em todo o território nacional.
A votação nominal do projeto, fruto de pressão popular, foi realizada em 10 de maio, sendo aprovado na Câmara pelo placar de 85 votos contra nove. O projeto entrou no Senado no dia 11 de maio, tendo sido constituída comissão especial, a qual rapidamente proferiu parecer favorável. Em 12 de maio entrou na ordem do dia.
No domingo, 13 de maio, foi convocada sessão extraordinária, com aviso à Princesa Regente que, no mesmo dia, após a aprovação, lhe seria enviada a lei para sanção. Ainda soaram no Senado manifestações anunciando catástrofes se a lei viesse a ser aprovada. Encerrada a discussão, ocorreu a aprovação, sendo composta comissão para apresentar à princesa o decreto. A regente receberia os membros da comissão às três horas da tarde.
As ruas estavam em festa. O Paço foi invadido por pessoas de todas as classes sociais. Os membros da comissão, quando encontraram a princesa, notaram que ela estava triste, pois seu pai, D. Pedro II, havia adoecido na Europa. Assinado o decreto, manifestações de alegria e lágrimas irromperam entre os presentes. Do alto de uma sacada, o deputado Joaquim Nabuco comunicou ao povo que não existia mais escravidão no Brasil.
Os festejos duraram dez dias e sua intensidade foi narrada por Machado de Assis: “Foi o único delírio popular que me lembro de ter visto”. Do ordenamento jurídico brasileiro, fora extirpada a escravidão, mas sem desaparecer as máculas que deixou depois de mais de três séculos de horrores.
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Sobre o autor de Manual Jurídico da Escravidão:
André Barreto Campello é procurador da Fazenda Nacional. Autor das obras Manual Jurídico da Escravidão: Império do Brasil e Manual Jurídico da Escravidão: Cotidianos da Opressão, ambas publicadas pela Paco Editorial.
Em “Escravidão Urbana e Abolicionismo no Grão-Pará (Século XIX)” encontramos estudos, originados de pesquisas de mestrado e doutorado no âmbito do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Pará. Balizados nos campos da história social e cultural, os capítulos apresentam balanços historiográficos e diferentes abordagens dos temas do título do livro, salientando certas especificidades da escravidão negra de origem africana na província do Pará, durante o século XIX, e suas semelhanças com a escravidão em outras partes do Brasil. Esta publicação é destinada a pesquisadores, professores e interessados pelo tema.
Esta obra analisa a situação de trabalhadores, resgatados de trabalho escravo contemporâneo, oriundos de municípios maranhenses. Foi elaborado por meio de trabalho de campo em diversas regiões do estado, trazendo dados e um debate em torno da situação de origem desses trabalhadores. A partir da perspectiva geográfica é analisada a permanência do trabalho escravo contemporâneo no capitalismo brasileiro, não como uma contradição, mas sim como parte da própria reprodução do capital. O autor se propõe a entender o real, com fenômenos que ultrapassam os campos disciplinares, mas que passam a ser postos no âmbito dos conceitos da ciência geográfica como parte de uma totalidade.