O Cinema Nacional: uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.
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O Cinema Nacional: uma câmera na mão e uma ideia na cabeça.

Se você também é um fã da sétima arte e gosta das produções nacionais, ficará feliz em saber que temos duas datas que homenageiam o Cinema Nacional. Neste breve artigo iremos retratar a luta travada pelo reconhecimento das produções nacionais, complementado por um bate-papo com o escritor, crítico de cinema, Humberto Silva.

ORIGEM DAS DATAS

Hoje, 05 de novembro, celebramos a primeira exibição pública cinematográfica no país, realizada em 1896, no Rio de Janeiro. Já no dia 19 de junho, comemora-se a primeira filmagem realizada em solo nacional, que ocorreu no ano de 1898. O registro foi feito pelo italiano Afonso Segreto, que filmou pela primeira vez a Baía de Guanabara.

No dia 05 de novembro, também se celebra o aniversário de um dos fundadores do Cinema Novo ao lado de Clauber Rocha, o cineasta, Paulo César Saraceni (1932 -2012). Saraceni foi um dos primeiros cineastas do país que teve reconhecimento internacional. Ele conquistou sete prêmios em festivais europeus com seu curta-metragem de estreia, Arraial do Cabo (1959).

AS PRODUÇÕES BRASILEIRAS, UM HISTÓRICO DE RESISTÊNCIA

As produções brasileiras passaram por três marcos significativos: o primeiro foi o chamado Movimento Cinema Novo – período entre o fim da década de 1950 e início da década de 1960 –, o segundo marco foi a crise de 1980 e o terceiro foi grande ressurgimento do cinema nacional, que ocorreu em meados dos anos 90 e perdura até hoje.

O IMPERIALISMOS CULTURAL E O CINEMA NOVO

O termo imperialismo” vem do latim  “ter o poder de mandar“, o que significa uma dominação, um controle direto ou indireto sobre o outro. Essa ação de poder remete a diversos interesses e não fica restrita somente ao processo direto de dominação política e econômica de uma nação mais rica sobre países ou regiões mais pobres.

De forma indireta temos o imperialismo cultural, que é a imposição de valores, hábitos de consumo e influências culturais que se tornam uma espécie de padrão cultural, também impostos como uma forma de poder, através de diversas estratégias, aos países e regiões periféricas e subdesenvolvidas.

Por isso, para entendemos as mazelas que o cinema nacional carrega até hoje, temos que olhar para o histórico de um país que foi colonizado e que sofreu um golpe de militar, ou seja, sempre conviveu drasticamente com imperialismo. 

A partir disto, podemos ir de encontro com o pensamento do Movimento Cinema Novo. De acordo com o site da Academia Internacional de Cinema:

‘’O Movimento Cinema Novo surgiu como uma resposta ao cinema tradicional que fazia sucesso nas bilheterias brasileiras no final da década de 1950, um cinema que basicamente se resumia a musicais, comédias e histórias épicas no estilo hollywoodiano, muitas vezes realizados com recursos de produtoras e distribuidoras estrangeiras.

Nesse contexto, um grupo de jovens cineastas, sedentos de mudança e dispostos a combater o que eles caracterizavam como um cinema de mau gosto e “prostituído”, adotou o lema “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” para atacar o industrialismo cultural e a alienação das populares chanchadas – comédias musicais, misturadas com elementos de filmes policiais e de ficção científica. O que eles buscavam era uma arte engajada, movida pelas preocupações sociais e enraizada na cultura brasileira.

O Cinema Novo deixou suas marcas também no Terceiro Cinema, um gênero mais amplo que abrange a produção cinematográfica revolucionária de diversos países de terceiro mundo, em especial os povos africanos e latino-americanos, com forte teor de conscientização sobre a realidade política e social desses países. Glauber Rocha chegou a declarar que o Cinema Novo era um fenômeno dos novos povos no mundo inteiro, não um privilégio brasileiro.

O movimento foi, sobretudo, um cinema de guerrilha, de resistência. Nada mais justo, portanto, do que concluir com uma declaração de Glauber Rocha sobre a continuidade de seus ideais:

‘’Onde houver um cineasta disposto a filmar a verdade, e enfrentar os padrões hipócritas e policialescos da censura intelectual, aí haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta disposto a enfrentar o comercialismo, a exploração, a pornografia, o tecnicismo, aí haverá um germe vivo do Cinema Novo. Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a por seu cinema e sua profissão a Cinema Novo. A definição é esta e por esta definição o Cinema Novo se marginaliza da indústria porque o compromisso do cinema industrial é com a mentira e com a exploração’’ Glauber Rocha, 1965.”

A crise política e cultural dos anos 1980

A década de 80 no Brasil foi um período de significativas mudanças. Embora o país estivesse vivenciando a efervescência de mudanças e encarando o fim do Golpe Militar, o cenário econômico era catastrófico.

A dívida externa atingia números alarmantes, milhares de famílias estavam sem os recursos básicos, e em todas as áreas públicas os insumos eram insuficientes. Não havia recursos nem para que os cineastas produzissem filmes, nem para que os espectadores pudessem pagar os ingressos. Nesse contexto, os proprietários das salas de cinema passaram a lutar contra a lei da obrigatoriedade da exibição de filmes brasileiros.

Para se ter uma ideia da difícil situação em que se encontrava a produção cinematográfica, em 1992 – ano em que o então presidente da época, Fernando Collor de Melo, sofreu o impeachment –, somente três filmes brasileiros foram lançados nos cinemas.

Durante o governo de Collor, foi decretada a Lei nº 8.028 – estabelecida pela medida Provisória nº 150, de 15 de março de 1990 –, que extinguiu o Ministério da Cultura e criou uma secretaria vinculada à Presidência da República.

O Ministério da Cultura voltou a existir sob o mandato de Itamar Franco – presidente do país de 29 de dezembro de 1992 a 1 de janeiro de 1995 – e foi restruturado em 2003 no mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Após o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff, o Ministério foi ‘’congelado’’ pelo vice-presidente Michel Temer. No dia 2 de janeiro de 2019, o Ministério da Cultura foi extinguido pelo atual presidente da república, Jair Bolsonaro.

Quando analisamos essa linha do tempo do Ministério da Cultura no Brasil, fica nítida a reflexão do quanto a cultura brasileira sempre está às margens de jogos políticos.

A Retomada do cinema brasileiro

O período entre 1992 e 2003 é conhecido como a Fase da Retomada. O governo Itamar Franco criou a Secretaria para o Desenvolvimento do Audiovisual, responsável pela regulamentação daquela que viria a se tornar a Lei do Audiovisual, possibilitando a produção de centenas de filmes nacionais ao longo das últimas décadas. Um dos exemplos é o longa Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1994), de Carla Camurati, o primeiro filme realizado por meio desse recurso.

Grandes destaques desse período são O Quatrilho (1995), de Fábio Barreto, O Que é Isso, Companheiro? (1997), de Bruno Barreto, e Central do Brasil (1998), de Walter Salles, todos indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro – em 1996, 1998 e 1999, respectivamente, sendo que o último também levou uma indicação na categoria de melhor atriz, para Fernanda Montenegro (a primeira latino-americana, a única brasileira e também a única atriz já indicada ao prêmio por uma atuação em língua portuguesa).

Uma empresa que foi bem-sucedida nas estratégias de conquista desse mercado foi a Globo Filmes, expandindo os negócios da televisão para o cinema e conquistando bilheterias milionárias, principalmente com suas comédias. Em 2003, os filmes produzidos com participação da Globo foram responsáveis por 90% das receitas de bilheteria do cinema brasileiro. A popularidade dessas produções segue até os dias de hoje, com muitos delas se transformando em franquias.

O longa Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles, marcou o final da retomada do cinema brasileiro. O filme foi indicado a quatro Oscars: melhor diretor, melhor roteiro adaptado, melhor direção de fotografia e melhor edição; além de ter recebido o Globo de Ouro como melhor filme estrangeiro. O sucesso de crítica e de público deu novo fôlego ao cinema contemporâneo brasileiro.

(Via: AIC)

ENTREVISTA COM O CRÍTICO DE CINEMA, HUMERTO PEREIRA:

Humberto Pereira da Silva é membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema, (Abraccine), professor de história do cinema na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), coeditor da revista Mnemocine e autor dos livros. Entre as obras de Silva estão “Glauber Rocha – cinema, estética e revolução e “Ver e Ver Como – ensaios sobre cinema e cineastas marcantes”, ambos pulicados pela Paco Editorial, em 2016 e 2018, respectivamente. Silva foi coorganizador, juntamente Famimarlei Lunardelli e Ivonete Pinto, do livro “Ismael Xavier, um pensador de cinema brasileiro”, publicado em 2019 pelo Sesc/Abraccine.


Humberto Pereira da Silva é membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema, (Abraccine), professor de história do cinema na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), coeditor da revista Mnemocine e autor dos livros. Entre as obras de Silva estão “Glauber Rocha – cinema, estética e revolução e “Ver e Ver Como – ensaios sobre cinema e cineastas marcantes”, ambos pulicados pela Paco Editorial, em 2016 e 2018, respectivamente. Silva foi coorganizador, juntamente Famimarlei Lunardelli e Ivonete Pinto, do livro “Ismael Xavier, um pensador de cinema brasileiro”, publicado em 2019 pelo Sesc/Abraccine.

PACO: O senhor considera que os brasileiros não reconhecem seu próprio cinema, o qual sobrevive de reconhecimento externo, e preferem consumir conteúdos vindo de fora, produzidos principalmente pela indústria americana?

Humberto: Há o senso comum de que os brasileiros não gostam do cinema brasileiro. Como toda sentença de efeito retórico, ela carrega muito de verdade e distorções. O cinema brasileiro, e em outros cantos do mundo, é diversificado. Há muitas razões para refletirmos sobre o porquê de grande parte dos filmes brasileiros não agradarem a um público amplo. Ou, o porquê muitas pessoas expressam, sem meias palavras, que não gostam de filme brasileiro.

Há, de fato, uma relação tensa entre filme e público que vem de muito tempo atrás. Agora, o Brasil é constituído por uma sociedade bem segmentada. Há uma camada da sociedade brasileira que conhece bem e aprecia o que é feito aqui, e que também tem projeção internacional.

É uma parcela pequena, uma elite intelectual? Sim, mas não creio ser diferente em outros cantos do mundo. Certo tipo de cinema, apreciado por um segmento elitista da sociedade, aqui e em outros lugares no mundo, é visto e discutido. Certo tipo de filme, aqui e em outros lugares, não é visto por grande parte da população.

Nas entrelinhas da questão levantada, de qualquer forma, o ponto é: na concorrência capitalista, o brasileiro, de modo geral, prefere assistir a um filme feita pela indústria americana; o produto nacional não é páreo para o que é feito nos Estados Unidos. Esse é um ponto delicado que tem a ver com a dominação cultural e, em consequência, a força do imperialismo americano. 

PACO: Por que grande parte dos filmes brasileiros não chegam ao circuito comercial?

Humberto: Essa é uma questão bem pontual sobre políticas culturais e o papel do Estado na valorização da cultura. Entendo que há um amplo debate em que se entrelaçam a inciativa de políticas que preservem nosso legado cultual e servilismo cultural.

O papel do Estado é vital no estabelecimento de políticas de valorização cultural. A cultura não se impõe de cima para baixo e o cinema é uma arte com um pé bastante preso ao jogo do mercado. Nesse jogo, o produto nacional, o cinema, não tem peso diante da concorrência, o produto americano.

Paco: Professor, indique livros e filmes sobre as produções nacionais.

Humberto: Eu indico todos os livros de Paulo Emilio Sales Gomes, o mais importante crítico em atividade de cinema do Brasil; todos os livros de Jean-Claude Bernardet, um pensador e polemista notável; todos os livros de Ismail Xavier, o acadêmico mais influente.

Sobre os filmes, indico as 100 produções que compõem o livro “100 melhores filmes brasileiros”, organizado por Paulo Henrique Silva e publicado pela Letramento/Abraccine. E para quem tiver o desejo de falar com consistência sobre cinema brasileiro, recomendo como lição de casa assistir aos filmes eleitos pela Abraccine.


Obras do Autor Humberto Pereira da Silva

Criador e principal porta-voz do Cinema Novo, Glauber foi o realizador de filmes que inauguraram uma etapa no cinema e na cultura brasileiros, assim como um dos cineastas mais influentes na cinematografia mundial a partir dos anos 1960. E, neste livro, Humberto Silva nos apresenta as evidências concretas de uma parte importante da história de um cinema e de um país.


A obra de Humberto Pereira da Silva trata da aplicação dos enunciados dos PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), que constituem um documento institucional voltado para o ensino. Através deles, Humberto extrai os seguintes problemas: se estes enunciados não forem seguidos em sentido literal, o valor de seu propósito pode ser posto em suspenso, caso contrário, a pragmática da linguagem alerta para os riscos de que falar não é fazer. Assim, este livro se mostra extremamente relevante para os profissionais de educação e demais interessados no assunto.


O percurso traçado por esta obra nos faz viajar pela história cinematográfica por meio da análise de grandes realizadores que contribuíram para o engrandecimento do cinema. Humberto Pereira da Silva, com sua experiência de professor e crítico de cinema, demonstra seu amor pela sétima arte ao fazer reflexões contundentes e reveladoras. Um mergulho intenso e aprofundado que nos permite compreender o poder avassalador de uma obra cinematográfica. (Humberto Neiva – Coordenador do curso de Cinema da Faap)


Fundada em 2009, é uma editora voltada para a publicação de conteúdos científicos de pesquisadores; conteúdos acadêmicos, como teses, dissertações, grupos de estudo e coletâneas organizadas, além de publicar também conteúdo técnico para dar suporte à atuação de profissionais de diversas áreas.

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