Hoje, 14 de novembro, é o Dia Nacional da Alfabetização. Instituído em 1966, a data tem como objetivo manifestar a importância da leitura e escrita no país. Esse dia, que deveria ser motivo de comemoração, coloca em debate a realidade de um país que atualmente possui 11 milhões de analfabetos, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o que revela um grande descaso do Estado brasileiro com a educação.
Neste artigo, abordarmos a realidade dos profissionais da educação frente ao sucateamento da educação.
Desafios da alfabetização no Brasil
Os dados da PNAD apontam que além das diferenças geracionais, a desigualdade quanto ao acesso à educação tem um recorte racial e regional no tocante a alfabetização. Em relação aos brancos, a taxa de analfabetismo é 3,6% entre aqueles com 15 anos ou mais. No que se refere à população preta e parda, segundo os critérios do IBGE, essa taxa é 8,9%. A diferença aumenta entre aqueles com 60 anos ou mais. Enquanto 9,5% dos brancos não sabem ler ou escrever, entre os pretos e pardos, esse percentual é cerca de três vezes maior: 27,1%.
As regiões Sul e Sudeste têm as menores taxa de analfabetismo, 3,3% entre os que têm 15 anos ou mais. Na Região Centro-Oeste a taxa é 4,9% e na Região Norte, 7,6%. O Nordeste tem o maior percentual de analfabetos, 13,9%. Entre os que têm 60 anos ou mais, as taxas são 9,5% na Região Sul; 9,7% no Sudeste; 16,6% no Centro-Oeste; 25,5% no Norte; e 37,2% no Nordeste.
A Doutora em Educação, Patrícia Santos, ressalta que os resultados do analfabetismo estão ligados aos graves níveis de desigualdade que assolam o país, principalmente na região nordeste.
“As taxas de analfabetismo em seu recorte geográfico, estão atreladas as condições de pobreza e vulnerabilidade da população brasileira. Alagoas com 17,1%, Paraíba com 16,1%, Piauí com 16% e Maranhão com 15,6%, são os estados da federação que concentram as maiores taxas de analfabetismo entre pessoas 15 anos ou mais. Isso torna o Nordeste com maior porcentagem de analfabetos do Brasil. É notório que temos um contingente considerável da população nordestina ainda sem o domínio dos conhecimentos básicos da leitura e da escrita’’, explicou.
A região foi a única a apresentar leve aumento da taxa de analfabetismo entre 2018 e 2019. No público jovem, a taxa praticamente se manteve, variando 0,03 ponto percentual. Entre os mais velhos, a variação foi de 0,33 ponto percentual.
O IBGE revela que do total de analfabetos, 56,2% – o que corresponde a 6,2 milhões de pessoas – vive na Região Nordeste e 21,7%, o equivalente a 2,4 milhões de pessoas, no Sudeste.
Reduzir a taxa de analfabetismo no Brasil está entre as metas do Plano Nacional de Educação (PNE), Lei nº 13.005/2014, que estabelece o que deve ser prioridade para melhorar a educação no país até 2024, desde o ensino infantil, até a pós-graduação. Pela lei, em 2015, o Brasil deveria ter atingido a marca de 6,5% de analfabetos. Em 2024, essa taxa deveria chegar a zero.
Anos de estudo da população brasileira
A PNAD revela que, em média, o brasileiro estuda 9,4 anos. O dado é coletado entre as pessoas com 25 anos ou mais. Esse número aumentou em relação a 2018, quando, em média, o tempo de estudo no Brasil era de 9,3 anos. Em 2016, de 8,9.
A exclusão do SECADI e o menor investimento da década
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), enquanto modalidade da educação básica, tem o objetivo de atender essa parcela da população que nunca foi a escola ou que não concluiu o ensino médio no tempo previsto. Todavia se compararmos a demanda brasileira e o número de matrículas registrado no Censo Escolar de 2019, 3.273.668 matrículas, segundo o INEP, esse atendimento está muito aquém do esperado.
Sobre esse aspecto, a especialista ressalta que a contemplação das matrículas da EJA com recursos do FUNDEB desde 2007, não foi suficiente para incrementar a oferta dessa modalidade nos sistemas de ensino.
“As matrículas da EJA têm diminuído consideravelmente nos últimos anos e em algumas redes sopram os ventos da oferta compulsória dessa modalidade através da Educação a Distância (EAD). A extinção do Programa Brasil Alfabetizado (PBA) cessou o repasse de recursos federais destinados diretamente para as ações de alfabetização e mesmo com todas as tentativas de promoção da continuidade, o PBA, como porta de entrada, não conseguiu mobilizar sua demanda a dar continuidade dos estudos na EJA’’, ressalta a especialista.
Para completar a precarização, em 2019, o presidente Jair Bolsonaro, e o ex-ministro da educação, Vélez Rodriguez, extinguiram a Secretaria de Educação Continuada Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), órgão responsável por difundir políticas públicas para o setor junto a estados e municípios. No tocante a questão financeira, os recursos destinados a EJA foram reduzidos drasticamente, a porcentagem de investimento foi a menor em dez anos.
O governo investiu apenas R$ 16,6 milhões na área, o que corresponde a 22% dos R$ 74 milhões previstos. Em 2012, por exemplo, o investimento no EJA de R$ 1,6 bilhões, valor 115 vezes maior do que de 2019. “A extinção da SECADI pelo governo Bolsonaro já acenava tempos sombrios de descaso e falta de agenda destinada a esse público por parte do governo federal enquanto agente indutor e promotor de políticas públicas, em especial no campo da alfabetização’’, explica a doutora.
Mercantilização do EJA e o EAD
Dado um ambiente social em que não existam disparidades socioeconômicas, o uso de tecnologias de informação e comunicação parece ser promissor e possuir um potencial fantástico. Mas sabe-se que na realidade de países como o Brasil, a exclusão digital deve ser considerada ao se pensar no uso de novas tecnologias para que estas não venham a perpetuar a exclusão e criar um abismo ainda maior entre os que têm e os que não têm acesso às inovações tecnológicas.
Para a doutora, que também é pesquisadora na área de Políticas Públicas para EJA, a sociedade civil e o Estado precisam se posicionar contra mercantilização do EJA através da EAD. “A complexidade do tema exige ações coordenadas entre o Governo Federal, entes federados e sociedade civil, cada um cumprindo seu papel, na garantia da EJA como política pública de Estado. Sendo norteada pelo princípio da educação como direito em oposição as investidas atuais da mercantilização dessa modalidade através da Educação a Distância’’.
A conjuntura das políticas públicas para EJA no Brasil se agrava consideravelmente em 2020 com o cenário pandêmico, ressaltando desigualdades socias, mostrando mais uma vez o quanto é necessário avançar. Os alunos de baixa renda, seja criança, público da EJA ou universitários estão sofrendo mais uma exclusão, a digital.
“Na EJA temos um verdadeiro silenciamento quanto as dificuldades que os estudantes dessa modalidade vêm enfrentando para acompanhar as atividades remotas e o real alcance dessas ações. Considerando a vulnerabilidade do público quanto a falta ou precariedade do acesso à internet e as tecnologias necessárias para tal. Silenciamento também quanto a ações de inclusão digital, por parte dos governos, que viabilizem a participação dos estudantes jovens, adultos e idosos nesse processo’’, ressalta a professora.
A especialista afirma que o acesso à banda larga deve ser um direito social. “Neste sentido, garantido na forma de serviço público gratuito através de plataforma integrada com TVs, rádios e redes sociais. Pode também ser aplicada na forma de infraestrutura de tecnologia virtual em sala de aula, com instrumentos de inserção no chamado ciberespaço”.